Era 31 de dezembro de 2023. Ao contrário do costumeiro dilúvio de fim de ano na Mantiqueira, este ano tivemos um tempo estranhamente seco em dezembro.
Já eram umas três e meia da tarde quando o tempo deu uma limpada então resolvi “forçar” aquele último vovozinho do ano (1º erro). Peguei meu equipamento, um NIVIUK Kode P tamanho 18, uma vela pequena e muito rápida mas que me permite voos lindos de proximidade e com um planeio excelente, chega com folga no pouso oficial do Baú que está quase mil metros abaixo e pouco mais de 4km de distância da decolagem.
Já na rampa da Pedra do Baú, voltada para o norte, o ventinho estava fraco e de frente permitindo decolar com tranquilidade, observei algumas formações grandes mais ao sul, atrás da Pedra do Baú e uma névoa intensa que ia e vinha logo a frente, ora permitindo visualizar o pouso, ora o escondendo.
Abri a vela e algumas poucas gotas de chuva ainda caíram quase me fazendo desistir, mas rapidamente passaram e entre uma nuvem e outra, assim que abriu o visual no vale, não tive dúvida e corri para decolar! Afinal o que poderia dar errado em um voo que deveria durar menos de 10 minutos?
Assim que decolei fiz uma curva a esquerda e como de costume voei bem próximo ao relevo, passando perto da casa do Ítalo, Nelsinho, depois Bauzinho, até aqui tudo normal. Mas ao me aproximar do col, a depressão entre as pedras do Bauzinho e Baú, logo percebi que algo estava diferente. Comecei a pegar bastante turbulência e “afundar” rapidamente, descendo muito mais depressa do que em um voo normal (video abaixo).
Cérebro funcionando a milhão, muita tensão nessa parte do voo e logo me liguei que a grande massa atrás da Pedra do Baú gerava um forte vento sul vindo por trás do Baú e Ana Chata e eu lá voando no rotor desse turbilhão! Minha primeira reação foi me afastar das pedras, voando para o norte em direção ao centro do vale, mas a turbulência e taxa de afundamento só cresciam; o pouso que seria alvo fácil, passou a ser uma dúvida.
Neste momento já deveria ter traçado um plano para um pouso alternativo em segurança, o que não fiz (2º erro), deixando essa decisão para a última hora.
Nessa indecisão se chegaria ou não no pouso, passei por cima de uma linha de fios que passa transversalmente na cabeceira, muito baixo e muito mais próximo dos cabos do que eu gostaria, e logo em seguida me dei conta que realmente não tinha altura suficiente para chegar no pouso e entraria de frente na cerca de arame farpado! A solução? Mandei uma curva forte de 90º a baixa altura ganhando bastante velocidade (3º erro) praticamente iniciando o “flair” na sequência da curva. Resultado, entrei rápido no chão com o corpo pendendo para o lado da curva e pousei “de bunda” batendo a mão direita (mais baixa) primeiro.
Senti aquela fisgada no punho direito, me levantei e logo ao olhar para minha mão vi que algo estava errado.
O glider havia caído sobre a cerca, portanto ainda levei um tempo para tirar as linhas do arame farpado só com a mão esquerda. Feito isso embrulhei tudo com um braço e caminhei até a pousada do César logo na frente do pouso onde costumamos dobrar o equipamento.
Por sorte o César que estava na pousada, me ajudou a dobrar o equipamento e me levou até a Sta. Casa de São Bento do Sapucaí, onde fui rapidamente atendido, fiz alguns raios X e constatada a fratura do rádio, fiz uma imobilização provisória; afinal estávamos à poucas horas do réveillon.
Imaginem a felicidade da minha esposa vindo me resgatar quebrado no dia de ano novo! Rsrsrs
Muito remédio pra dor e 3 dias depois lá estava eu na mesa de cirurgia para colocação de uma placa no rádio!
Conclusão: Todo acidente é o resultado de uma sequência de erros, seja por ignorância, imprudência, incapacidade técnica. De fato estou aqui hoje relatando esse passo a passo para que todos nós possamos pensar duas vezes antes de assumirmos o risco de um voo fora das condições ideais. Será que vale a pena?
Como diria um conhecido instrutor de voo de Atibaia (rsrsrsrs)… O voo é super seguro, o que machuca é quando a gente para de voar e dá no chão!
Espero que minha experiência sirva de alerta e aprendizado para todos nós!
Bons voos “seguros”.
Alê Silva