Climb and Fly em Chamonix Mont Blanc

Escalando e voando em Chamonix (Mont Blanc)

Montanhista há 30 anos, ingressei no voo já com a cabeça mirando o Hike and Fly. Sempre que estava no cume de alguma montanha me imaginava poder descer voando e poupar horas, às vezes dias de descida, seja rapelando ou caminhando; afinal os joelhinhos aos 48 já não são os mesmos dos 20 e poucos!

Porém hoje, com 5 anos de voo, percebi que obviamente existe um longo caminho a ser percorrido. No voo, assim como qualquer outro esporte, só o tempo e muita dedicação nos permite galgar diversas etapas para que tenhamos conhecimento e experiência suficiente para descer de cumes e grandes montanhas em segurança.

Na escalada começamos em pequenas falésias, em vias de 3º e 4º grau, bem protegidas. No voo também começamos em rampas fáceis, sem muitos obstáculos, em horários de atmosfera mais calma com pousos grandes e desimpedidos.

À medida que ganhamos experiência e habilidades específicas de pilotagem, partimos para rampas naturais com alguns obstáculos e dificuldades, ventos de vale, pousos mais restritos e decolagens de montanhas mais altas, ou em horários mais “térmicos”quando a atmosfera é muito mais ativa e turbulenta.

Até hoje se passaram longos e prazerosos 5 anos de vôos entre São Pedro e Atibaia, posteriormente decolagens da Pedra do Elefante em Andradas, Pico Agudo, Pico dos Marins e inúmeros vôos na região da Pedra do Baú dentre outros na Serra da Mantiqueira, até que em junho deste ano, realizei minha primeira viagem de voo para a Europa onde ficamos hospedados por 2 semanas em Annecy, França.

Voar no verão europeu é uma escola para qualquer piloto, não só pela condição forte, turbulenta, com ventos de vale e cisalhamentos à baixa altura, mas pela facilidade de acesso às rampas e principalmente pela grande quilometragem realizada em pouco tempo! Dias super longos e pousos depois das 9 da noite, nos permitiram quase 30 horas de voo em 13 dias com inúmeras decolagens!  A tal da repetição, nada como fazer a mesma coisa centenas de vezes para ficar um pouco melhor em alguma coisa!

Pois bem, quando eu achei que tinha encerrado minhas peripécias de voo no velho continente este ano, vejo que um grande amigo e parceiro de escalada, tinha uma viagem marcada para os Alpes em setembro! Discretamente me convidei e já pensando também no vôo arrumei aquela mala gigante com tudo de escalada, botas, piolet, crampons, mais equipamento de voo! E lá vamos nós, desta vez rumo a Chamonix!

Como eu estava entrando numa trip de escaladores e não de voadores, meu plano era acompanhá-los nas escaladas fáceis, porém sempre levando meu equipamento de voo mais leve “pra passear”, e caso aparecesse uma oportunidade de decolagem eu poderia terminar o dia também voando! E foi exatamente o que aconteceu!

DICAS E LOCAIS PARA ESCALADA E VOO EM CHAMONIX

16 Setembro – Ainda com um jetleg considerável e tempo instável, fomos escalar numa pequena falésia na entrada da cidade chamada Gaillands, onde dezenas de vias muito bem equipadas serviram como excelente atividade de boas vindas!

17 Setembro – O tempo não estava dos melhores, havia chovido na cidade e nevado na altitude no dia anterior, então aproveitamos a primeira janela para fazer uma grande caminhada entre Monteveurs e Plan de Aiguille (2400m). Felizmente levei meu Double Skin pra passear e depois de aproximadamente 2 horas de caminhada passamos por um pequeno platô, na aresta que divide o vale do Mer de Glace e o de Chamonix. Naquele momento parei para analisar a possibilidade de uma decolagem e realmente as condições pareciam boas.

Eu já vinha observando ao longo dos dias que o vento mantinha-se calmo até o meio dia aproximadamente e depois subia numa constante até o fim da tarde, chegando sempre acima dos 40km/h, o que impossibilitava totalmente o vôo e principalmente o pouso no vale. 

O pouso oficial de Chamonix, mais amplo, estava ocupado com grandes tendas de um evento, sobrando outro alternativo, próximo à gôndola do Brevant, bem restrito e geralmente com ventos rotorizados.

Bom, dito isso e como já eram mais de 2 da tarde, a tendência era que o vento só aumentasse, muito provavelmente impossibilitando minha decolagem da rampa oficial em Plan de Aiguille, nosso destino final.

Ao voador mais experiente pode parecer besteira, mas temos que levar em conta que além da pouca experiência, eu estava num ambiente desconhecido, numa rampa “não oficial”, e sem outros voadores no local, ou seja, o julgamento e decisão de decolagem era só minha, e por muitas vezes só esta responsa já é o bastante para elevar os níveis de adrenalina na estratosfera.

Decisão tomada, tudo checado, linha livres, me lancei ao vale naquele que seria o primeiro voo desta segunda temporada! Como esperado, pouso tenso e bem sacudido no outro lado do vale, porém… Pousado em segurança!

18 Setembro – Dia seguinte, acordamos cedo e pegamos a primeira gôndola rumo ao Pranplaz no lado oposto do vale, onde escalaríamos a rota Cocher-Cochon em uma das Aiguilles Rouges.

A rota clássica, cotada como 3 estrelas pelos guias locais, fáci,l de 8 enfiadas lindíssimas num granito claro de excelente qualidade, e claro levei novamente aquele “peso” extra na mochila.

Era um domingo de tempo bom, vários grupos na parede numa via longa e concorrida, o que nos fez levar quase 7 horas para voltarmos à rampa oficial de Pranplaz. Já passava das 4 da tarde e com o vento muito acelerado, achei por bem não decolar neste dia e descemos de gôndola.

Na cidade enquanto todos comemoravam a escalada e tomavam uma cerveja, eu observava alguns gliders no ar, alguns deles parados ou “voando pra trás”… Sábia decisão de não decolar! Como diz o ditado: “A decolagem é opcional, o pouso não”.

20 Setembro – Após um dia todo de perninhas pra cima tocamos pra Plan de Aiguille novamente na primeira gôndola da manhã. Hoje nossa meta era a rota normal da Aiguille de L’M. Mais uma via clássica, tecnicamente fácil porém naquele ambiente hostil típico dos Alpes, onde mais que a escalada, a navegação pelas morainas e achar a via é sempre a parte mais complicada.

Começamos a caminhada bem cedo num dia muito frio. A neve que havia caído nos dias anteriores deixou nosso caminhar entre os blocos um pouco mais desafiador. Como estávamos na parte baixa do maciço não levamos crampons neste dia.

A rota se inicia por uma escada de ferro e por uma via ferrata até uma grande canaleta de rochas soltas que termina no Col de lá Bûche. Deste ponto em diante, uma escalada fácil de rocha por mais uns 80 metros termina num lindíssimo cume pontiagudo de não mais que meio metro quadrado, cercado de precipícios por todos os lados, com uma visão magnífica de todo o vale de Chamonix, do Mer de Glace e do famoso Aiguille du Dru.

Um curto rapel e uma desescalada nos colocou novamente no Col de Lá Buche e novamente uma longa caminhada nos esperava até Plan de Aiguille e a gôndola que nos levaria de volta a Chamonix.

Mas como no Alpinismo nem tudo são flores, já caminhando nas morainas durante a descida, ouvi um grande estrondo quando lá de cima de uma das arestas, vi uma imensa pedra caindo em minha direção. A pedra vinha quicando e tomando velocidade e sem saber bem o que fazer tentei correr para trás de um grande bloco a fim de me proteger, quando tropecei e caí rolando algumas vezes entre as pedras afiadas. Bom, o resumo da história é que saiu barato o susto, apenas alguns cortes e um coxi doendo foi o resultado de algo que poderia ter sido trágico.

Chegamos de volta a Plan de Aiguille por volta das 16:00, quase 8 horas direto em atividade. Ainda pude ver alguns pilotos decolando da rampa oficial apesar do vento já nitidamente forte. Assustado com o acidente, achei por bem descer de gôndola e deixar meu anjinho da guarda descansar um pouco!

21 Setembro – Mais um dia de descanso pro grupo de escaladores! Eu, após meu Petit Dejeuner, peguei novamente a gôndola até Plan De Aiguille e fiz um voozinho logo cedo, decolando da rampa oficial, com atmosfera calma. Aquele voozinho preguiçoso, só pra curtir o visual e tirar a má impressão do dia anterior!

22 Setembro – Nosso último dia em Chamonix! Resolvemos fazer uma “escalaminhada” na Arête à Laurence, uma escaladinha facílima por uma aresta linda que termina no Refugio des Comiques, porém na parte alta do maciço à 3800m de altitude.

Novamente pegamos a gôndola, só que desta vez até a última parada em Aiguille du Midi. De lá já encordados e com crampons nos pés, descemos por uma linda aresta bem exposta que dá acesso ao Vale Blanche. A rota em si é bem óbvia e fácil pela aresta, com alguns poucos lances onde se faz necessária a proteção da corda.

E novamente meu Double Skin seguiu firme e forte na mochila, afinal “vai que dá voo”! E dessa vez deu! Para finalizar a viagem com chave de ouro as condições de vento estavam perfeitas para a decolagem (norte) logo ao lado do Aiguille du Midi.

Lembram daquela responsa? Novamente sozinho, em ambiente hostil, decolando da neve a 3800m de altitude, sem qualquer outro piloto como referência… Sem dúvida foi uma das decolagens mais lindas e mais adrenantes da minha vida, que felizmente me proporcionou um “preguinho” de quase 50 minutos e 2700m de desnível até o pouso oficial! Sim, as barracas do pouso saíram depois do fim de semana e felizmente um pouso mais amplo e seguro já era realidade!

https://youtube.com/shorts/5EtMQd43ZwA?feature=share

Voar nos Alpes foi sem dúvida uma experiência única, mas mais do que isso… Sinto que hoje, minha experiência no montanhismo somada a uma crescente sensação de domínio do paraglider, me abre uma imensidão de possibilidades para novas aventuras. 

Quais são as montanhas que virão em seguida? Quais são os cumes que permitem decolagens? 

Essas são perguntas ainda sem respostas, as possibilidades são infinitas, mas uma coisa é certa! Daqui pra frente, seja qual for a montanha, meu Double Skin estará sempre na mochila, afinal “vai que dá vôo!”

Alê Silva

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